José Carlos da Silva – depoimento

Vou iniciar estas informações tendo como referência o que de mais anterior a memória alcança. Após “forçar” a cabeça, o máximo que atingi em estado normal de consciência foi a idade de 4 anos, em janeiro de 1954. Morava no bairro do Paraíso (na época, era mesmo!). O fato marcante foi o IV CENTENÁRIO DA CIDADE DE SÃO PAULO, comemorado no dia 25/01/1954. Fui à inauguração do Parque Ibirapuera, escoltado por minha mãe. Recordo que, sobre a cidade, caia uma “Chuva de Prata”, materializada em papel metalizado, em forma de triângulo, com o Brasão da Cidade de São Paulo ao centro. Tal “chuva” era proporcionada por pequenos aviões. Os mimos dados à população eram do tamanho de uma carta de baralho; tive muitos destes papéis que catava na rua. Aos poucos, foram sumindo de minha vida, mas ficaram indeléveis em minha mente. No mês seguinte, era meu aniversário e completei 5 anos no dia 16/02/54.

Em 1956, completei 7 anos e fui para o grande desejo da petizada: Entrei no 1º ano primário no Grupo Escolar Rodrigues Alves, que até hoje fica na Avenida Paulista, 221. Nessa avenida, passava o bonde da linha 36 que tinha o seguinte rota: Avenida Paulista, Praça Oswaldo Cruz, Rua do Paraíso, Rua Vergueiro, Av. Liberdade, Praça João Mendes, Praça Clóvis Bevilacqua, Praça da Sé, Pátio do Colégio, Rua 15 de Novembro, Largo São Bento, Rua Líbero Badaró, Avenida São João, Largo do Paissandu, Alameda Glete, Avenida Angélica e retorno à Avenida Paulista, atravessando a Rua da Consolação. Eram os bondes mais chiques da cidade, com bancos estofados em couro!

No mesmo ano que entrei para a escola, fiz a 1ª comunhão, após frequentar as aulas de catecismo na igreja de Santa Generosa, que ficava ali na Praça Rodrigues de Abreu, também conhecida como Largo Guarnabara, dando cara com a fábrica Brahma, que ocupava quatro quarteirões, a saber: Rua Tupinambás, Rua Apeninos, Rua do Paraíso e Rua Vergueiro. Participei de muitas atividades na Santa Generosa, onde fui coroinha. Era assim que se chamavam os meninos que ajudavam na celebração das missas que eram rezadas em latim, e que nós, os coroinhas, decorávamos os textos e a pronúncia, sem saber direito o que estávamos dizendo.

Após terminar o primário, prestei exames de admissão e passei a frequentar o ginásio em curso noturno no mesmo Rodrigues Alves. Fiquei apaixonado por uma menina, mais velha, chamada Marta, com quem eu namorava sem ela saber, ouvindo no rádio “I can’t stop love you”, com Ray Charles, e “Suave é a noite”, com Moacyr Franco.

Tive o primeiro emprego na Alfaiataria Aguiar, que ficava na esquina da Rua Cubatão com a Tomás Carvalhal. Lá, eu entregava as roupas prontas com minha bicicleta Monark. Com meu primeiro ordenado, que eram cem cruzeiros por mês (mais ou menos que cem reais de hoje), eu comprei um farol para a minha bicicleta. O farol tinha 12 volts de potência, com luz alta e baixa. Na época, os carros, 95% importados, eram sustentados com baterias de 6 volts. Minha mãe ficou uma “arara”. Fiquei encantado com o dínamo que possibilitava uma luz mais intensa que as dos automóveis. Então, minha mãe passou a ir na alfaiataria todo dia 30 que era o dia do pagamento… Mas, depois de uns 3 meses, libertei-me do confisco!

Em 1967, fiz 18 anos, comemorados no Restaurante Aladim, que ficava na Avenida Bernardino de Campos, em frente à Igreja Nossa Senhora do Paraíso, com a presença dos amigos Epaminondas, Sérgio Antônio, Daniel Francisco Eduardo, Claudete, Virginia, Terezinha, Uiara Ana Lúcia e Valeuska. Inesquecível!

O Sérgio Antônio trabalhava na Rádio Record, era 1970. A emissora ficava próxima ao Aeroporto de Congonhas, junto à TV Record Canal 7 e à Rádio Panamericana (hoje, Jovem Pan). O Sérgio me levou para uma entrevista de emprego na Rádio Record com o Sr. Roberto de Carvalho. Fui aprovado! Logo, fui contratado e integrado à Equipe Razão & Forma da Rádio Record, tendo como diretor geral Paulo Machado de Carvalho Neto, o “Paulito”, e meu diretor artístico, Edson Guerra. Comecei como assistente de programas com Silvio Luiz que apresentava O JOGO DO R na emissora.

Fui promovido para produtor de programas em três meses. Foi aí que conheci Genildo Fonseca e sua namorada, Marilu, que agendavam o cantor Antônio Marcos, que foi contratado pela rádio e eu fiquei responsável pela produção do programa que se chamava ANTONIO MARCOS E VOCÊ, que ia ao ar diariamente às 15 horas. Foi um sucesso! Fui conhecendo todo o elenco da rádio e da TV, que, na época, levava ao ar a novela AS PUPILAS DO SENHOR REITOR, líder de audiência no horário nobre.

No carnaval, meu diretor artístico disse: “Eu quero, para a terça feira de carnaval, a gravação do carnaval argentino, de um clube de Buenos Aires, e você, Zé Carlos, vai ser o encarregado de obter esta gravação! Gelei! A Rádio Record naquele ano programou-se para transmitir o carnaval paulistano nos clubes e nas ruas. O desfile principal de rua era na Avenida São João. Nos clubes, sempre ia um quarteto: O locutor/narrador, o assistente, o técnico de som e o motorista. Além da missão de trazer o carnaval argentino, fui escalado para trabalhar junto com o Sérgio Antônio no cluibe Círculo Militar, ali no Ibirapuera. Bem, para conseguir o carnaval argentino, foi uma batalha! Eu, que nem falava portunhol, comecei minha luta! Depois de várias conversas, decidimos telefonar para a Rádio Belgrano de Buenos Aires. Naquela época, não existia celular, e as ligações eram feitas através das telefonistas das empresas operadoras do sistema. Um interurbano para Buenos Aires não era feito na hora. Fazia-se o pedido e o prazo para completar a conexão era de até seis horas. Você pedia e sentava ao lado do telefone, aguardando o retorno. Na segunda-feira, consegui falar com a rádio em Buenos Aires! Expliquei (com a maior dificuldade) que era da Rádio Record de SP e que precisava de uma fita (cassete) gravada de um grande clube da cidade para pôr “no ar” na terça-feira de carnaval na Rádio Record de São Paulo. A conversa não foi assim tão fácil; entre chiados, palavras não entendidas de ambas as partes, ficou acertado que a fita viria em cortesia pelo vôo da Varig. No dia seguinte, terça de manhã, recebo a informação de que a fita estava no balcão da Varig do aeroporto de Congonhas. O Edson Guerra autorizou uso do carro da reportagem e com os documentos necessários fui buscar a fita. Deu zebra! O balcão da Varig estava fechado! Gelei! Olhei para um lado e para o outro, pulei o balcão, cortei a mão remexendo as gavetas e armários… Mas achei! Lá estava a pequena embalagem endereçada para a RADIO RECORD DE SÃO PAULO! Peguei o pacote, “despulei”, saí quase que correndo do aeroporto. Cheguei no carro e falei pro motorista: “Vamos rápido pra rádio, eu roubei a fita do carnaval!” Chegando lá, entreguei a fita pro Edson Guerra, contei tudo e fomos para a técnica escutar. Em uma hora, a Polícia Federal estava na portaria da rádio! Fiquei sabendo! Fiquei apavorado! Fui me esconder na sala do Gil Gomes. O Paulo Machado de Carvalho Neto “Paulito” resolveu a parada! À noite, a fita foi pro ar com o carnaval argentino! Na quarta feira, ao meio-dia, ficamos sabendo que a Rádio Record tinha ganho o prêmio Governador do Estado de Melhor Cobertura do Carnaval! A cobertura tinha iniciado sem patrocinador, mas no meio do carnaval, a CICA, através do diretor comercial Francisco Paes de Barros, assumiu o patrocínio. O dr. Paulo Machado de Carvalho reuniu todos os funcionários da rádio que participaram da cobertura e disse: “Começamos o carnaval sem patrocínio, agora temos. Após a dedução dos custos, o saldo deverá ser dividido igualmente por todos.” Naquele mês, recebi o dobro do ordenado!

A roda girou, saí da Rádio Record e reencontrei Genildo Fonseca que, com seu irmão Juca, comandava a 907 Promoções Artísticas. Lá participei de vários eventos na área de shows. Foi inesquecível o primeiro contrato assinado com a Prefeitura de São Paulo, representando Hermeto Pascoal, o “Bruxo” dos instrumentos. Ficou marcante na memória a parceria que o Juca fez com o jornalista Moracy do Val para a produção de lançamento do show do grupo Secos & Molhados, no Teatro Municipal de Santo André! Foi o maior sucesso de público, que viria a consagrar Ney Matogrosso. Produzimos juntos Taiguara, e diversos shows e eventos por todo o país.

Genildo foi convidado para dirigir o cast artístico da BMG/ARIOLA; seu irmão Juca faleceu na estrada que vai para Curitiba assessorando um artista. Grande amigo, o Juca! Assim, fui convidado para assessorar Marilu Alvarez, que assumia o comando da produtora. Entre os grandes eventos que fizemos, produzimos a festa do Jubileu de Ouro da Walita, a convenção da IBM, que tinha como tema “ A parceria que deu certo”. Por nossa sugestão, foi apresentado aos convencionais a tradicional dupla sertaneja Tonico e Tinoco. Um grande sucesso no Maksoud Plaza Hotel. Atualmente, Genildo atua com Marilu na direção da Circuito Musical, tendo como principal artista o cantor, instrumentista e compositor Toquinho. Somos amigos e eventualmente trabalhamos juntos. Um grande abraço a eles, muita saúde e sucesso.